Daniel Patrick Welch - click to return to home page


    English versions 
Arabic versions - Saudi Arabia Catalan versions Croatian versions Czech versions Danish versions Nederlandse versies Finnish versions Versions Françaises Galician versions German versions Greek versions Indonesian articles Le versioni Italiane Japanese versions Urdu versions - Pakistan Polish versions Portuguese articles Romanian versions Russian versions Serbian articles Las versiones Españolas Ukrainian versions Turkish versions

 

 

 

Me Traga a Cabeça de Silvino Herrera
"EUA x Eles" e outros mitos "modernos" da guerra e civilização

(7/04)

Eles degolam e nós usamos bombas inteligentes. Há, é claro, uma verdade feia neste axioma apimentado: o horror de terrorismo do estado é que a máquina devastadora da morte nas mãos de governos todo-poderosos pesa muito mais do que atrocidades individuais feitas por pequenos grupos e entidades de loucos sem estado. Enquanto que os criminosos e assassinos selvagens podem, de fato serem bárbaros, tal axioma tacitamente concede, com suas decapitações e assassinatos de inocentes, que é quase impossível massacrar meio milhão de crianças, como fizeram as sanções Anglo-Americanas / Nações Unidas no Iraque, com métodos tão amadores.

Este é o mesmo raciocínio que, suficientemente convincente, perpetua o mentiroso conceito de guerra e destruição que deixa o tão satisfeito "Ocidente" tão orgulhoso e confiante de sua superioridade moral. Existe um racismo escondido, mas às vezes claro, que permite aos chamados "fazedores de guerra modernos" e seus eleitorados, tolerarem as enormes disparidades nas mortes que definem 'conflito moderno'. Em virtualmente todo caso, a repressão brutal de movimentos voltados para maior liberdade humana, de direitos de trabalhadores e de uma vida que valha viver é ignorada, enquanto que as "atrocidades" daqueles, tentando resistir, são vistas como retrógradas e como evidência de inferioridade cultural e moral.

No entanto, um problema não é apenas que a disparidade em terror torpedeia o argumento de superioridade moral. É verdade que o século 20 foi, de fato, o mais horrível para a maioria dos observadores leigos: no seu início, 90% dos mortos em guerras eram combatentes e 10% não eram combatentes. Ao seu final, a proporção inverteu, tornando-o o século mais mortal, e com certeza o menos "avançado" na história humana. Verdade também, o maquinário da guerra, com suas contagens amorais em "quilomortes", a química de napalm para grudar na pele humana e queimar, fósforo e gás, munições, sem falar do mal quase surreal da tecnologia da bomba de nêutrons, pretendida para matar as pessoas enquanto saiam de prédios intactos, tudo isso mostra a verdadeira brutalidade de pele queimando e corpos humanos explodindo, que não é menos bárbaro do que outros métodos. Os Estados Unidos não são apoiados pelo resto do mundo "civilizado" por instituir a tecnologia "sem dor" da injeção letal, que é uma prática que a maioria dos governos considera um anacronismo bárbaro.

Quando tiramos as camadas de pele queimada, toda a ficção cuidadosamente construída pelo progresso humano e pelos benefícios da ciência e tecnologia, nós temos que encarar a realidade, talvez ainda mais tristes. Não está simplesmente nos deixando cínico, cruzar os braços enquanto eles estão se matando com facões e quando quase um milhão de Tutsis já morreu em Ruanda? Simplesmente não existe o "nós" contra "eles". O lado que diz representar o progresso, a Marcha da História e a realização do desejo humano por liberdade e autonomia, faz mais e fez pior, usando métodos brutais de baixa tecnologia em ambos os lados da divisão cultural e tecnológico. Existe uma fotografia famosa, não a de Nick Berg, nem a de João Batista, mas a de Servino Herrera, um dos tenentes do exército de resistência de Augusto Sandino. Particularmente, é uma foto de um fuzileiro naval norte-americano (a única parte à vista do Sr. Herrera é a sua cabeça) segurando triunfantemente o herói conquistador da minoria orgulhosa. Acontece que nós degolamos também.

Quando eu estava em Nicarágua, eu ouvi o testemunho de vítimas da guarda nacional do Somoza, mulheres com seus seios mutilados, deixadas vivas e aleijadas de propósito para aterrorizar suas famílias. Combatentes da resistência, simpatizantes e sindicalistas mortos, com suas genitálias cortadas e enfiadas em suas bocas. Vítimas com armas na cara forçadas a engolir um botão amarrado a uma corda, enquanto que guardas riam e tentavam puxar o botão de volta. Como todos os cúmplices na América Latina, estes assassinos, estupradores de freiras, "deplaners" (que simplesmente empurravam suas vítimas do terror pela porta do avião no ar, para morte certa), e escória sortida, recebeu treinamento e apoio da CIA, do Pentágono, e da temida Escola das Américas. Como FDR, herói da esquerda norte-americana, uma vez se gabou: "Somoza pode ser um filho da puta, mas ele é o nosso filho da puta". Acontece que nós fazemos tudo isso também.

Igualmente, eu considerei a foto dos soldados triunfantes em cima de um monte de ossos dos conquistados como sendo uma caricatura. Errado novamente - a única verdadeira foto que vi foi a de soldados norte-americanos nas Filipinas na virada do século 20, quando mais de meio milhão de filipinos foram massacrados na tentativa, com sucesso, de assegurar as ilhas para o Império Americano. A cena se repete e acrescenta nojo à história dos EUA, em turbulências sanguinárias no nosso continente de costa a costa, na América Central, no Caribe e no Pacífico. Despeito a audácia e o isolamento de George Bush, não existe absolutamente nada de novo sobre o Iraque. Conquista, pacificação, ocupação e a transferência de "soberania" a um governo fantoche está no manual de instruções. A única fase ainda por ser concluída é das poucas décadas das quais o mundo deve esquecer as origens da ditadura, depois que as forças norte-americanas anularem rebeliões ou movimentos de resistência, e instalarem a democracia, como se o ciclo não tivesse início.

Nesse contexto, é quase insuportável ouvir o "debate" superficial, que mata nossas mentes, entre Democratas e Republicanos sobre "como lidar" com o Iraque, sem dizer a infra-estrutura de roubo organizado que transfere trilhões de dólares do sul para o norte, dos pobres para os ricos, dos negros para os brancos. Eu penso que existem crises (permitindo alguma consolidação e sobreposição) que ultrapassam todo o resto em sua urgência hoje em dia. Elas podem ser resumidas como Império (no qual incluímos Iraque/Israel-Palestina, Venezuela/Colômbia e o resto), WalMart e o extermínio da mão-de-obra, com seu presente estupro ao tesouro nacional e sistema de saúde pública, e o Estado da Prisão, onde o encarceramento está colaborando com e suplantando opressão ao voto, a Klan e a escravidão conhecida como a Nova Ideologia Racista.

Estes são, é claro, grandes problemas. São, no entanto, problemas em expansão, e são os que ameaçam a completa existência da humanidade (combinados com proteção exploradora ao consumidor que "seguram as pontas"). O tipo de assunto que alguém tolamente poderia esperar que uma campanha nacional endereçaria. Esta enorme história, encharcada com sangue e morte para o benefício do lucro e da oligarquia, está completamente despreocupada com as facções do partido que estão comendo pelas beiradas, não ameaçadas pela pobre desculpa por "ideologia" e "valores" sustentados pelo sistema político e econômico que criaram e alimentaram. Auto-ilusório, comentários para se sentir bem sobre a "grandeza da América" e opressão e violação deliberadas da nossa história encerrarão o assunto, e nós mergulharemos de cabeça na catástrofe ambiental que se aproxima e que está esperando para afundar nós todos.

Como jovem aluno celebrando o Bicentenário dos estados Unidos, eu lembro me preparando para um coral que cantaria "Our Country 'tis of Thee." Algumas frases ainda ecoam na minha cabeça e no meu estômago, cantadas pelo coral de alegres e ignorantes alunos da sexta série, que tinham suas mentes controladas:

Há um céu pacífico no meu quintal
Longe de medo e dúvida
Mas o mundo todo é a minha cidade
E eu tenho que ajudar meu vizinho

Há um céu pacífico no meu quintal
Longe de uma terra distante
Mas o mundo todo é a minha cidade
Quando a liberdade precisa de uma ajuda

Pensando sobre isso hoje, faz a minha pele enrugar de vergonha e ódio próprio, mesmo que eu tinha apenas onze anos. Como um lapso pós-traumático para um ex-membro de um culto. Falta de autodúvida, combinada com ignorância da história de alguém, talvez seja a combinação mais perigosa conhecida da humanidade. Tortura em Abu Ghraib não é a ponta do iceberg; simplesmente é o mais recente elo na corrente. Encarando aquela história de frente, com a desilusão, o medo e a dúvida que racional e honestamente implica, é a tarefa sóbria daqueles que resistiriam o atual ataque. É o primeiro passo de uma longa, longa estrada para sanidade, e não é uma estrada confortável. Como Rosa Luxemburg comentou, "Dizer a verdade em voz alta sempre será o ato mais revolucionário ".

© Daniel Patrick Welch 2003. Concedido permissão para reprodução.
Traduzido por Roman

^  Topo  ^


Daniel P. Welch mora e escreve em Salem, Massachusetts, EUA, com sua esposa, Julia Nambalirwa-Lugudde. Juntos, eles operam The Greenhouse School. Escritor, cantor, lingüista e ativista, ele apareceu na rádio [entrevista disponível aqui] e também pode estar disponível para futuras entrevistas. Artigos passados e traduções estão disponíveis em danielpwelch.com. Links ao site são bem-vindos