O Lado Errado da História
(2/04)
Mentem para todos nós. Estamos acostumados. Se a contagem de mortos de Westmoreland e Watergate e Irã Contra e a Poupança e Empréstimos e a Primeira Guerra do Golfo não nos ensinou algo, então eu penso alguns de nós nunca aprenderemos. O fato é que alguns de nós acreditamos e alguns não. É uma distinção grande, evidente e importante que, sem viciar em uma hipérbole, divide toda a história e nos coloca de um lado ou de
outro.
Isto não é política de salão nem educado, diferenças cavalheirescas com nossos colegas "do outro lado do corredor". É uma batalha longa e mais antiga: pode chamar de revolução e contra-revolução, progresso e reação - pode escolher. Mas nós que congelamos enquanto nos empurravam como gado na 3a Avenida em Manhattan no ano passado não estávamos "enganados". Nós e as 10 milhões de pessoas que marcharam conosco no último 15 de fevereiro, nos recusamos a estar enganados - de fato nos recusamos a ser conduzido por todos os mentirosos e seus bajuladores que empacotaram e venderam esta guerra. O mundo, pode se dizer com segurança, da hostilidade impressionante agora alvejado aos EUA, não foi engano. A própria história não foi enganada, apenas desviada por um poder cuja "força" militar inchada desafia toda desculpa necessária ou
racional.
O mundo está esperando também, para ver em qual lado da história que os EUA pós-Bush decidirá endireitar-se. Abandonarão a construção militar insana e ativamente desligar-se-ão de seus projetos de dominação global? A pergunta pesa muito no futuro de nossas crianças. Pois parece, apesar de segurarem tenazmente o poder e de seus recursos quase ilimitáveis, a administração Bush é desprezada não somente por quase todo o mundo, mas também pela maioria do mesmo eleitorado que nunca lhe deu qualquer mandato. Toda esta conversa sobre "elegibilidade", como se fosse algum postulado científico que poderia realmente conter algum significado concreto, simplesmente inflama derrotismo. Bush o Todo-Poderoso não pode ser assassinado! Por que não? Ele é um criminoso e mentiroso que, em qualquer sociedade decente, teria sido retirado do poder há muito tempo.
A pergunta é quem vai substituir a seita Bush? É uma pergunta abrangente que, dada à palmatória que o mundo sofreu nestes últimos anos, deve ser uma grande. Semelhante à reconstrução da Europa, digamos, ou o fim da guerra fria. Havia uma oportunidade semelhante então, quando falamos sobre o "Dividendo da Paz". Mas, foi cuidado por homens com mentes pequenas e mãos gulosas, e a Nova Ordem Mundial ocupou-se com mais guerras, e o domínio global de pouquíssimas corporações gigantescas perambulando pelo mundo, procurando em todo bolso uma oportunidade de ganhar
dinheiro.
Agora nós enfrentamos uma opção semelhante, e eu sugiro que confiemos num governo cuja visão seja tão ampla quanto à época requer. John Kerry, aliás, não se enquadra nisso, apesar de seu crescimento meteórico ao primeiro lugar desde a convenção de Iowa. Eu não desgosto dele; eu votei nele contra os republicanos quando pareceu sábio, e eu imagino que eu poderia fazer isto novamente se a alternativa fosse para acabar com a Máquina de Destruição chamada Bush. Mas eu não quero que ele seja meu presidente, e até que eu tenha outra opção, me oporei à sua escalada ao topo. Um tradutor amigo no Brasil, que me reprovou por focar quase que unicamente nas eleições Americanas recentemente, disse o seguinte: "O mundo não quer saber como ou se o presidente será eleito. O quê o mundo quer saber é como Bush ou Não-Bush afetará suas vidas. Pense
nisso!"
Estão vendo? Não é, infelizmente, apenas sobre Republicanos contra Democratas. Ambos os partidos foram cúmplices no enorme inchamento do complexo industrial que o famoso Republicano General Presidente Eisenhower, nos avisou severamente antes de deixar o cargo. Quando chega a "hora do vamos ver", nós precisamos de pessoas no governo que ignorem diligência, e que façam o quê sabem em seus corações e intelecto que está certo. Isto é mais importante por causa da desintegração de pensamento independente nos EUA, a consolidação da mídia corporativa, a imensa pressão e recursos controlados pela ala direita neste
país.
Existe um relógio interno que marca a hora independentemente do balanço da história e dos tambores da guerra. Algumas pessoas têm, mas a maioria não. Eu culpo o Kerry com relação a isto. Eu não estou batendo nele, então por favor não me mandem e-mails de ódio - eu não sou capaz de acabar com a eleição apontando as falhas óbvias. No entanto, o próprio Senador Kerry e o estabelecimento Democrático podem fazer isto sem
perceber.
Com relação à Guerra no Iraque, eu tenho certeza de que eu nunca esquecerei, nem perdoarei, um voto a favor da Resolução da Guerra. Não é sobre orgulho, ou sobre quando me congelei, mas é uma verdade mais profunda sobre liderança e confiança. Se de fato o Kerry foi enganado, então ele deixou de ver algo que quase todo o mundo viu, e não é adequado para liderar num momento tão importante na história. A desculpa de que tal voto poderia ser baseado em informação secreta a qual o mundo sabia assusta ainda mais, pois santifica um gosto por um governo secreto e fica sem sentido no conceito verdadeiro de governo pelo povo. Não que eu sou a favor de um raciocínio em particular que apóie uma decisão que resultou na perda de dezenas de milhares de vidas e o fim de qualquer vestígio remanescente de cooperação internacional, mas eu penso que assusta se todos soubessem que ele está errado, mas que votassem nele mesmo assim, sem disposição para jogar um jogo e ser um bom
soldado.
Este, eu acredito, é o caso mais provável, e se encaixa muito bem com outros exemplos onde convicção sucumbe diligência. Falou-se muito do status de Kerry como herói de guerra e contra a guerra. A incompatibilidade não é de graça, eles parecem opostos de muitas maneiras. E se olhar mais de perto, a dissonância se torna aparente. Logo depois do voto do Kerry sobre o Iraque, Brian Willson, antigo apoiador e colega veterano do Vietnã escreveu um texto picante
("Open Letter to John
Kerry") que é tão rude quanto triste. Willson escreveu:
"A primeira pista sobre o seu sem nexo de estilo foi quando durante a sua primeira campanha ao Senado, você negou em devolver suas medalhas de guerra, junto com outros mil veteranos de guerra, num protesto contra a guerra durante Dewey Canyon III. Aquilo foi um choque, já que a maioria dos veteranos que devolveram suas medalhas naquela cerimônia emotiva naquela sexta-feira, 23 de abril de 1971; foi um momento de muito orgulho e cicatrização. A sua resposta na campanha de 1984: Você devolvera as medalhas de um amigo da Segunda Guerra a seu pedido. Durante todos aqueles 13 anos todos pensaram que você tinha a coragem e liderança para devolver medalhas que, para veteranos que as devolveram, representavam uma desonra ensopada de sangue de Vietnamitas inocentes que não mereciam morrer por uma mentira, igualmente como nossos colegas americanos. Eu acho que você sabia naquela época que seria candidato a
Presidente."
Depois, mais recentemente, além do capítulo doloroso que foi o Vietnã, vem o assunto sobre casamento gay. Eu não sou gay (apesar de que, para citar Jerry Seinfeld, "não há nada de errado com isso"). Eu sou, no entanto, a favor de casamento entre raças, e a questão me tocou pessoalmente. Existem aqueles neste país que ainda não estão prontos para casamentos entre raças. O meu próprio casamento seria inválido, e de fato ilegal, se líderes anteriores não tivessem decidido que os meus direitos civis não precisam esperar até que uma maioria estivesse "pronta" para
reconhece-lo.
Ninguém está "forçando casamento gay", exceto talvez aqueles casais que estão prontos para assumir aquele compromisso entre si. Um verdadeiro líder não permite que isto seja enquadrado pela direita desta maneira. As cortes não foram tomadas por "juízes ativistas" (exceto por aquele que instalou o "Burro-Chefe" no Escritório Oval). Juristas estão simplesmente movendo-se em direção a um momento histórico inevitável: um direito civil exercido por um grupo não pode ser negado a outro, independente de quão desconfortável pareça para alguém. Líderes que "buscam o centro" sobre assuntos certos ou errados para ter vantagem eleitoral não são representantes de
mudança.
Nós não reconhecemos casamento religioso neste país, e todo pastor, padre, rabino ou juiz de paz deve assinar uma autorização civil agindo como representante do estado. Isto é exatamente o porquê que este assunto está vinculado à batalha para superar forças reacionárias nos EUA. O quadro correto do assunto está bem diante de seus olhos: a ala direita sabe que deve perseguir a idéia (pense nisto por um momento) de uma emenda constitucional para banir a extensão deste direito a um determinado grupo. Este é um conceito ultrajante, e deve ser encarado de frente. A maioria das pessoas dos EUA agora tem família, amigos, conhecidos ou colegas de trabalho que são gays; falando sobre "pronto", eu não penso que Americanos estão prontos para mudar a Lei para continuar uma teimosa "caça às bruxas" que deixaria Anita Bryant orgulhosa.
Os chamados "cães caçadores" de Kerry estão principalmente preocupados em cobrir seu lado direito, sempre assumindo que a sua esquerda estava imune ao ataque. Mas esta proteção representa uma vantagem à direita, que condenará igualmente quando tais vantagens sejam desagradáveis e desnecessárias também. Para voltar à analogia inter-racial, a única coisa que toca o coração de um velho branco racista relutante é o rosto pardo de um neto misturado. Quando Homer Simpson diz em horário nobre que o seu beijo gay ou que um beijo de sua mulher "é o melhor beijo que tive hoje", eu aposto que os EUA não estão prontos para devolver o gênio à garrafa, ou ao armário, conforme o caso.
De fato, eu penso que americanos estão prontos para muito mais do que acreditam. A experiência dos últimos anos realmente mexeu com a consciência das pessoas. Cada vez mais pessoas desconfiam de uma imprensa que distorce os fatos. Elas estão exigindo cada vez mais uma verdadeira reforma na área da saúde pública, e não apenas um inchamento das empresas de seguro. Até mesmo algumas pesquisas mostram que grandes maiorias apóiam elementos principais de uma agenda progressista. Ironicamente isto deve fazer o candidato gritar, uma convenção em Washington ratificou todos os dez pontos da plataforma de Dennis Kucinich, enquanto deu dois terços de seus delegados a outros candidatos. O mundo está cheio de políticos "Mauricinhos" com o dedo ao vento. Cuidado e timidez previsivelmente renderão o quê renderam até agora: um empate sufocante disputado no campo da ala da direita, onde duas metades de um partido gigante brigam pelos votos dos brancos da classe média. O quê precisamos é determinação de aço em face ao poder que possibilite verdadeira mudança. Nós conseguiremos isto com uma eleição que eletrocute um movimento e que varra republicanos do poder com uma ampla visão para verdadeira mudança.
© Daniel Patrick Welch 2003. Concedido permissão para reprodução.
Traduzido por Roman
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Daniel P. Welch mora e escreve em Salem, Massachusetts, EUA, com sua esposa, Julia Nambalirwa-Lugudde. Juntos, eles operam
The Greenhouse
School. Escritor, cantor, lingüista e ativista, ele apareceu na rádio [entrevista disponível aqui] e também pode estar disponível para futuras entrevistas. Artigos passados e traduções estão disponíveis em danielpwelch.com. Links ao site são bem-vindos
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