Com Toda a Estupidez Deliberada (*)
Auto-isolamento americano faz do Iraque um virtual
"não-assunto" nas eleições até agora
(2/04)
O rei está morto - vida longa ao rei! Está bem, então o velho provérbio de esquerda "não interessa quem ganhar, são todos iguais" pode ter menos impacto agora. O show de marionetes extremistas liderados por Bush que brutalmente abriu caminho para o poder é tão perverso, tão corrupto e tão completamente perigoso até a alma, que seria impensável não deseja-los fora, custe o quê custar. Ainda, prevenir-se contra o mal não é o mesmo que promover o bem. Uma tarefa amarga, talvez. Mas é uma que lava a alma.
É claro que não precisa ser desta maneira. O jogo, pela minha contagem, teve que ser encerrado duas vezes A Besta, teve que ser adormecida por algumas décadas. A primeira foi a aliança histórica esquerda-liberal que produziu o Novo Acordo (1933). Foi a esquerda comunista, na maioria, que organizou o CIO e possibilitou a estratégia de massa do Roosevelt, apesar da enorme oposição de dentro da classe dominadora. A outra foi a tentativa corajosa (manchada, ou cínica, dependendo da sua perspectiva - mas certamente tardia) de acabar com o Apartheid Americano através do Ato de Direitos de
Voto.
Ambas ficaram presas na barriga da Direita desde o momento da concepção, e ambas sugerem inerentemente que o poder que não foi aproveitado poderia ser usado para parar o trem desgovernado desta geração. Aliás, não acontecerá, exceto por um milagre não previsto. Os Democratas (e estou incluindo os eleitores ainda adormecidos) mais uma vez confundiram o elefante na sala com uma grande xícara de chá estrelada, uma peça colorida neste ano de eleições, que se preocupa apenas com os eleitores americanos, desligados do e não vistos pelo resto do
mundo.
A conquista ilegal e indefensável do Iraque é como o momento único no século; e talvez vejamos o início do próximo sem uma violação dolorosa de tudo que fala sobre o progresso e promessa da humanidade. Os Democratas, com a exceção importante e notável de Dennis Kucinich e Al Sharpton, recusaram-se a ou fracassaram em ver o monstro pelo que é. Conseqüentemente, fracassaram em aproveitar a oportunidade em potencial que
expressa.
A "ocupação" do Iraque (uma frase criada por estrategistas neoconservadores nos bastidores de Karl Rove para evocar a memória de rostos americanos sorridentes na Alemanha e as belas lembranças de cerâmica trazidas pelos soldados em Nagasaki) tem chance zero de "ter sucesso" por qualquer medida relevante ou significativa em termos humanos. Já, a CENTCOM Orwelliano está desesperadamente arrumando os fatos e números para negar sem avareza as más notícias do front: os EUA dizem que alguns soldados morreram, mas testemunhas juram que contaram uma dúzia de soldados colocados em sacos de cadáveres. Os porta-vozes da CENTCOM insistem que espectadores foram mortos pela mesma bomba pretendida para os soldados, mas testemunhas novamente contam sobre um caminhoneiro que foi fuzilado por tropas americanas em pânico, sangrando até a morte enquanto que os soldados evitavam que pessoas o ajudassem. Bem-vindo, George, às alegrias da "construção do país" que uma vez você
ridicularizou.
Um erro geralmente repetido por todos, dos criminosos do Bush à "oposição leal", ao "eleitor" americano engordado pela TV, à ONU, às elites dominadoras daqueles países que apoiaram ou não esta aventura do capitalismo amigo sedento por sangue: "nós" estamos presos. Vamos começar por "nós"? A teoria relatada é que os filhos da classe trabalhadora americana devem continuar morrendo pelos erros do governo que os enviou para lá por um capricho e uma mentira. E merece a resposta adequada dos filhos da classe trabalhadora ao poder, agora ecoando no número cada vez menor de alistamentos em todos os escritórios de recrutamento: Foda-se! De quem exatamente é esta guerra? Quem está enganando e quem está sendo enganado? Como dizem que o Tonto disse quando o Cavaleiro Solitário o chamou à causa: "Quem é 'nós', homem
branco?"
A outra falácia exuberante é que as tropas americanas precisam ficar "até que terminemos o trabalho". Oh, sim! Mas qual é exatamente o trabalho? Se o "trabalho" fosse criar paz e prosperidade para o povo Iraquiano em um governo popular estável, independente e compreensivo, então "Viva!", vamos arregaçar as mangas e trabalhar. Mas nada poderia ser mais distante da verdade cínica, banhada a sangue e maquiada. E os Iraquianos, como todos os povos "ocupados", sabem disto quase que instintivamente. Adolescentes americanos e seus senhores Bremer-Haliburton são alvos precisamente porque estão lá; nem mais nem menos. Nada além de repúdio completo e público da missão imperialista do Bush pode começar a justificar o prolongamento da ocupação como um meio de "estabilizar" o
Iraque.
O instinto e a experiência da testemunhas Iraquianas não estão tão longe daqueles das pessoas enviadas para controla-las. É fácil ver se alguém está olhando na direção correta. Uma visão típica (e eu quero dizer escolhido aleatoriamente de uma publicação não-ideológica) de meninos e meninas latinos presos no esquema de educação gratuita sobre o quê é ser um soldado americano pode ser obtida em qualquer bodega. Uma recente foto de capa de um principal jornal em espanhol mostrou um adolescente uniformizado com as mãos na cabeça: "Nossos filhos estão se matando!" exclamou a manchete do tablóide. Depois uma história contou sobre a taxa de suicídio entre soldados no Iraque e um editorial sobre como ninguém pode vencer o Bush porque ninguém está realmente fazendo
oposição.
Estúpida e inexplicavelmente o partido "da oposição" ignora, lê errado, silencia, distorce, desvia, ofusca (não tenho mais verbos) esta verdade evidente e acessível. Inexplicavelmente, no entanto, confere um significado que eu não poderia dar. Pode, na verdade, ser clara e facilmente explicado. Faz 20 anos desde que Jesse Jackson chamou o eleitorado de "desesperado, amaldiçoado, deserdado, desrespeitado e desprezado" e ainda o atual partido ainda é efetivamente o partido de homens brancos ricos, cujos instintos e experiências não podem combinar com aqueles que afirmam servir. Os entendidos podem rir quando Kucinich, nas raras vezes que é perguntado, insiste que ele terá que escolher um companheiro de chapa que seja "muito mais progressista do que eu". Mas ele entende, pelo menos. Roosevelt precisou de Wallace (Henry, não George) até que a guerra o tornou descartável. A maioria emergente sustentará sua declaração, e deverá estar organizada e preparada para fazer tal assim que possível. Se não, podem estar condenados a vagar pelos corredores do Wal-Mart, procurando por chinelos e DVDs em
promoção.
Ainda há tempo, teoricamente, para aqueles interessados numa verdadeira mudança, para opor com a tenacidade necessária para reverter a maré. Grandes maiorias, se é que se pode acreditar em pesquisas, estão prontas para uma grande mudança, e políticas defendidas pelos candidatos mais radicais (com tanto que seus nomes sejam omitidos). Jovens americanos, uma vez encorajados por Jackson, ainda têm a chance de "exercer o direito de sonhar". Nem tudo está perdido sem o baú da guerra dos ricos e famosos - isto foi provado novamente por movimentos populares em todo o mundo. Ou, para citar o poeta Tennyson: "Venham meus amigos, pois nunca é tarde demais para buscar um mundo mais novo."
Ousemos?
© Daniel Patrick Welch 2003. Concedido permissão para reprodução.
Traduzido por Roman
(*) A famosa frase "com toda velocidade
deliberada" foi dita por Earl Warren numa tentativa de forçar a maioridade da Suprema Corte para acelerar o cronograma prático de desagregação. Eu obviamente a utilizei
ironicamente.
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Daniel P. Welch mora e escreve em Salem, Massachusetts, EUA, com sua esposa, Julia Nambalirwa-Lugudde. Juntos, eles operam
The Greenhouse
School. Escritor, cantor, lingüista e ativista, ele apareceu na rádio [entrevista disponível aqui] e também pode estar disponível para futuras entrevistas. Artigos passados e traduções estão disponíveis em danielpwelch.com. Links ao site são bem-vindos
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