Brincando com o Voto
por Daniel Patrick Welch
(12/03)
"Eu sou Ted Koppel e este é 'Nightline'". Se você se lembra desta frase, ou do exagero feito no programa 'Saturday Night Live', então você tem idade suficiente para saber quem é Ted Koppel, e porque talvez ele fique entediado com um debate com muito pouco sangue no chão. 'Nightline' nasceu da crise com reféns no Irã; o avô das dezenas de programas de menor sucesso que surgiram de crises e posavam como "jornalismo sério". Geraldo adoraria ter feito o mesmo com o julgamento do OJ Simpson, mas aliás, não deveria ser.
Koppel, é claro, teve sucesso além dos seus sonhos mais extravagantes; mas as suas raízes "Geraldescas" estavam à mostra recentemente quando ele mostrou seus dentes sensacionalistas para a lista de convidados no debate de candidatos democratas em Durham, NH. Considere esta série de eventos: na semana antes do evento, foi relatado que Koppel reclamou que apenas seis dos candidatos deveriam ser convidados. Como se pode criar conflito com tanta gente no palco? É claro, conflito é a meta aqui, e sempre foi. Acorde América! A mídia está falando sobre ter que cobrir candidatos que não são "sérios", que de modo organizado, é oposto à verdade. Muito parecido com notas à imprensa do Bush.
A verdade é que 'sério' é tudo o quê não querem cobrir. Como podemos vender o nosso peixe, o raciocínio continua, de uma discussão intricada sobre política pública? Não, vamos usar os cotovelos, cuspir aqui e ali... sem reféns, infelizmente, mas o quê se pode fazer? E, como todos sabem, da Bíblia ao Exterminador do Futuro 3, as histórias mais simples de vender são aquelas que podem ser reduzidas a apenas dois antagonistas. Seguro, simples e dentro da fórmula: esta é a regra.
O quê a ABC e Koppel não esperavam é que o próprio Ted se chamou de "zinger"
(*1) durante o debate. Dennis Kucinich, e depois os outros, jogaram outra na obsessão de Koppel com o aspecto de "corrida de cavalos" da campanha. Koppel ficou visivelmente irado, e tentou cobrir a sua decepção com uma dose liberal (sem trocadilho, eu garanto) de sua própria arrogância. Quando Moseley-Braun juntou-se à linha de ataque do Kucinich, Koppel comentou cinicamente, "É bom ver que eu consigo unir o partido democrata!" O quê ele quis dizer, eu penso, é que ele havia perdido o público, que urraram a aprovação dos candidatos em levar a mídia ao trabalho. Na verdade foi a posição corajosa de Kucinich que virou o debate e reanimou o público (e/ou partido, dependendo de quanto você aposta na caracterização de Koppel).
Aliás, nenhuma boa ação fica impune, e no dia seguinte chegou de surpresa que a ABC estava cancelando seus repórteres embutidos das campanhas de, você acertou, Kucinich, Braun, e Sharpton. O líder de direitos civis ganhou a ira do anfitrião, que foi o melhor da noite: Em resposta à influência ordinária sobre a escolha de candidatos de Koppel, Sharpton não fez prisioneiros. Koppel ofensivamente perguntou por que alguém deveria prestar atenção a candidatos como ele, que estavam perdendo nas pesquisas de intenção de voto. Sharpton respondeu: "Você não está tão bem nas pesquisas, aqui não é 'Saturday Night Live', mas mesmo assim eu apareci!"
Várias histórias regulares da imprensa reconheceram que Kucinich foi o mais aplaudido da noite, pois pareceu que ele chamou a atenção com sua rejeição à obsessão da imprensa com pesquisas de intenção de voto, dinheiro e endosso. E ainda, a campanha dele está parecendo tão desmerecedor de notoriedade, que a ABC decidiu arbitrariamente estreitar o campo antes que o verdadeiro eleitor lance o primeiro voto de verdade. Se isto não fosse sintomático o suficiente da maneira Mickey Mouse na qual a divisão de notícias da Disney está tentando manipular a campanha de seus próprios dólares publicitários, eu prevejo que haverá ainda mais ovos em rostos importantes nos meses por vir. Kucinich ganhará mais votos em Iowa e New Hampshire do que muitas das campanhas julgadas mais valiosas para cobertura pelos Reis Magos da ABC.
Atividade na Internet (www.kucinich.us, para aqueles interessados), o pulso da raiva no núcleo ativista do partido, e o quê está acontecendo em solo, indicam que o congressista de Ohio tende a tornar-se a surpresa da campanha de 2004. Seabiscuit, Davi e Golias, Horácio Alger, literatura e história estão também repletos de contos sobre o azarão. E esta é a melhor história disponível. Pena que Ted Koppel não entende: talvez ele conseguiria um novo programa.
(*1) zinger = algo que causa interesse, surpresa ou choque
© Daniel Patrick Welch 2003. Concedido permissão para reprodução.
Traduzido por Roman
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Daniel P. Welch mora e escreve em Salem, Massachusetts, EUA, com sua esposa, Julia Nambalirwa-Lugudde. Juntos, eles operam
The Greenhouse
School. Escritor, cantor, lingüista e ativista, ele apareceu na rádio [entrevista disponível aqui] e também pode estar disponível para futuras entrevistas. Artigos passados e traduções estão disponíveis em danielpwelch.com. Links ao site são bem-vindos
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