Oposição Leal, regente desleal
por Daniel Patrick Welch
(Outubro/2003)
Lembram daquele alvoroço sobre O Fim da História? Muitos de nós zombamos naquela época do orgulho, pura arrogância em pensar que “nós” éramos. Agora, é claro, até mesmo os seguidores do tal triunfalismo estão de volta às trincheiras, prevendo sua própria versão de lucro obsceno e obscuro da Guerra Permanente. É como se a Guerra Fria nunca tivesse acabado – e logo no momento oportuno para eles também. Isto dá à direita a oportunidade de reviver o mais abominável dos anacronismos da Guerra Fria, a Oposição Leal. Agora, a Oposição Leal pode ser permanentemente mantida desdentada pela ameaça sempre presente da Nova Guerra Fria (lembre-se: eles realmente utilizaram estas palavras). Alguns até já prometeram a 4a Guerra
Mundial.
Este bicho-papão é considerado pela direita como sendo suficiente para cobrir qualquer hábito de ‘High Crimes and Misdemeanors’. Até mesmo o ato rudemente traidor de deliberadamente revelar a identidade secreta de um agente da inteligência deve ser além de escrutínio. Mas quem está enganando quem? Todo o conceito de lealdade é pervertido, é claro, quando a própria guerra é fraudulenta, e quando aqueles mesmos que demandam tanta lealdade são traiçoeiros. Este jogo inteiramente novo – em grande parte perdido, é claro, pela oposição desnecessariamente “leal”, fornece o meio, a oportunidade e o motivo para bater de volta na direita como nunca antes.
Em uma última análise, Karl Rove talvez tenha que emprestar a sua defesa de Shaggy: “Não fui eu”. Apesar das negativas cada vez mais violentas surgindo da Casa Branca, acredita-se muito que Rove esteja por trás do vazamento de informações, se somente porque é amplamente sabido que toda informação é mantida, “a la Great Carnac”, em um vidro de maionese hermeticamente fechado na varanda de Karl Rove (que ainda quer dizer a Casa
Branca).
O próprio Wilson, cuja exposição corajosa de ‘Niger Lie’ incitou a excursão vingativa e ilegal da sua esposa-agente da CIA, disse que ele preferiu ver que Rove “marchasse algemado como um sapo para fora da Casa Branca”. Eu não faço idéia de como é “marchar como um sapo”, mas parece emocionante. É Alta Traição, afinal de contas, e poderia ter incitado (e poderá ainda) a “liquidação” de dezenas de “bens” da CIA no estrangeiro. O quê a ala direita pensaria de “O Regente do Inferno” – o pequeno Frankenstein deles – que sofre o destino daqueles que o condenariam? Alta Traição... hmmm parece que é um trabalho para a nossa velha amiga, a Injeção Letal. Algo perversamente tentador sobre a última fantasia vingativa de enfiar uma agulha nas veias geladas de Rove. Alguns poderiam pensar que isto não poderia ser feito para um homem como Rove – a agulha congelaria, ou algo assim. Mas, a alegre Máfia da agulha do Texas deve ter mais prática do que ninguém para gelar os corações mais frios do homem. Falando sobre
oportunidade...
Mas e se oportunidade bater e ninguém atender? Não existe mais motivo para estar preso atrás desta fachada defensiva molenga, já que é feito de papel e cuspe. A ala direita está sempre latindo para a mesma árvore O primo da minha esposa, preenchendo aquele mais curioso dos cargos, Republicano Negro, continua gritando: E o 11 de setembro? Ah, sim... exatamente o quê sobre o 11 de setembro? Você consegue ouvir o resto desta troca parafraseada no novo livro de Al Franken, no capítulo de uma página intitulada “Our National Dialogue About Terrorism” (“Nosso Diálogo Nacional Sobre Terrorismo”). Sem mesmo recorrer aos argumentos bem sensatos sobre o imperialismo dos EUA, terror do Estado, etc., a opinião padrão de um perito sobre lutar contra o “terror” – quer dizer, assassinato em massa por grupos que não são do Estado – é com a polícia; não invasão e conquista. Atire numa mosca com um tanque, que duas coisas acontecem: provavelmente você explodirá muita coisa e ainda de quebra errará a
mosca.
Se lutar contra o terror deve ser seu mantra, então a contraposição é óbvia: Não somente a direita perigosamente incompetente está jogando seu próprio jogo, mas o seu exercício mesquinho, vingativo e superpolitizado deste poder prova uma vez por todas que na verdade eles não se preocupam com a Segurança do Povo Americano, que honradamente reivindicam que somente eles podem proteger. Este é o Ás de Espadas deles, e o “OutingGate” mostra que a Carta-Trunfo não tem “Technicolor Dreamcoat”... ou algo
assim.
Sim, os Democratas estão começando a pedir a cabeça do Rove, como devem. Mas, perderam a corrida para antigos defensores mais corajosos do Reinado. O quê é isto, Sete Dias em maio?? Nós realmente precisamos dos Corredores do Poder – da CIA aos soldados de elite da Força Aérea Israelense – para nos dizer quando o mundo ficou louco? Onde está a voz da esquerda no Partido
Democrático?
Eu ouvi isto de um tradutor que recusou trabalho, e talvez ela estivesse falando pela maioria do Partido Democrático: “Na verdade eu não sou 100% contra a guerra, apesar de que existem algumas coisas sobre ela que eu não gosto”. Parece a mesma cobertura moral que turva a visão dos candidatos Democráticos. Ei, o quê há para não gostar? É o DU que envenenará as crianças da região por décadas? São as dezenas de milhares de mortos e mutilados? Não são os crimes de guerra, são? Por favor, diga-me que não são os crimes de guerra. As dezenas de bilhões em reparos? O ponto é que existem “desastres embutidos” suficientes (diga ao Fox que eu devo essa) para fazer qualquer coisa exceto retirada total, junto com os reparos e uma política externa que agressivamente reconhece um erro tão grave – parece destinado ao
fracasso.
A realidade assustadora é que os Democratas parecem temer insuficientemente o horror de herdar o fracasso no Iraque, e a bagunça concomitante no mundo todo. Se não fossem os efeitos desastrosos nos pobres do mundo de um ataque contínuo e implacável – inocentemente assumindo além de toda evidência que uma alternativa ao Bush poderia na verdade ser de parar este ataque – poderia até ser argumentado que bem que poderia ser preferível passar os próximos quatro anos assistindo a estes bastardos afundar no pântano de seu próprio feitio, e tirá-los assim que afundarem de vez para ter certeza de que eles sobrevivam impeachment, julgamento, prisão, etc.
O partido Republicano está bolando um outro jogo de trapaça, e os Democratas não devem ser enganados tão facilmente como em jogos de trapaça do passado. No entanto, os lisos Schroeder e Chirac podem aparecer na televisão; ninguém deveria confundir a reconciliação do estadista indiferente, entalhar com qualquer amolecimento da raiva do mundo. Políticos de carreira, no final das contas, não serão aqueles a iniciar julgamentos de crimes de guerra, que sozinhos cometem atos adicionais de assassinato em massa em nome de organizações sem
pátria.
De dentro da bolha Americana, parece uma posição “razoável” que mexer com a ocupação do Iraque é o curso prudente de ação. Mas nós não estamos em 1968. É como Richard Nixon ao inverso. Não existe George Wallace, e a oposição está diretamente em comando desta guerra desastrosa. Não existe motivo no mundo para dignificar este pensamento confuso com reverência à velha guerra
fria.
O argumento protetor sempre foi uma fraude, uma sobra da Guerra Fria que a “esquerda” parece muito ansiosa para ser intimidada. Algumas das minhas linhas favoritas nesta campanha até agora vêm das tentativas corajosas e consistentes de Dennis Kucinich em negar à obsessão falsa de Armas de Destruição em Massa do Bush: “Sr. Presidente, eu cresci no interior dos Estados Unidos e eu inspecionei as verdadeiras Armas de Destruição em Massa aqui em casa... Pobreza é uma Arma de Destruição em Massa. Desemprego é uma Arma de Destruição em Massa. Falta de saúde é uma Arma de Destruição em Massa. Educação ruim é uma Arma de Destruição em Massa.” Na mosca! A diferença entre os ricos e os pobres nos Estados Unidos é a maior em 70 anos, de acordo com um novo estudo publicado pelo Centro para Prioridades Políticas e Orçamentárias. Mas depois, motivo nunca foi um grande
problema.
O antigo pesquisador Republicano Kevin Phillips falou sobre “Compressão”; aquele estreitamento necessário desta distância que fica muito grande, como aconteceu durante os anos 30. Na certa, acontecerá de uma maneira ou outra; e é patético que nós continuemos dependendo de Republicanos renegados para ressaltá-lo. “Jeffords salva o partido”, não é uma manchete particularmente lisonjeira para uma “oposição” que se respeita. John Weaver, um antigo consultor do partido Republicano no Texas, correu para os Democratas depois de ser expulso do estado e do partido pelo vingativo Rove, de acordo com James C. Moore, co-autor do Cérebro do Bush. Então é isto que nós queremos ser: o partido das vítimas de Karl Rove?
Pode ser melhor abster-se de citar um candidato em particular enquanto argumentando isto, e eu, a princípio, pretendi fazer isto. Mas depois eu pensei no meio, na oportunidade e no motivo. Além disto, cansa ficar enrolando: Kucinich é o Elefante na Sala. O Meio. Até mesmo partidários de outros contendores geralmente concordam que a dele é a melhor posição sobre quase tudo, ainda ele quase desmaiou porque “ele não consegue ganhar.” A maioria destes hipotéticos não enfrentaria escrutínio em qualquer fórum de auto-respeito, é claro, mas a melhor predição pode vir de Eliza Doolittle: “É a sua culpa”. Kucinich, diferente de qualquer dos outros candidatos “inviáveis”, está construindo uma organização que é verdadeiramente nacional em escopo, abastecido por um fornecimento realmente surpreendente de trabalho voluntário que talvez não precise da máquina de dinheiro de Kerry e Dean para
sustentar-se.
A sujeira da pureza ideológica não deve ser permitida manchar a virtude genuína de clareza moral. Durante um momento tenso no filme ‘Luther”, o retrato intenso de Joe Fiennes chegou a um crescendo em seu momento de verdade: enquanto os sustentadores observavam, preocupando-se abertamente se o jovem monge iria “dizer a coisa certa”, Luther finalmente foi forçado a dizer se ele desistiria. O seu firme “Não posso” é mais uma revelação de verdade moral do que um ato de desafio, e seus sustentadores torceram. A tensão é quebrada por ele ter dito “a coisa certa” – não, como aqueles preocupados com a sua vida poderiam ter razoavelmente desejado, salvar a sua própria pele, mas sim porque sua consciência não lhe deu
escolha.
Esta clareza moral age como um guia, onde acompanhar para se dar bem nunca pode. Democratas precisam lembrar que slogans, confusões, esquivos e manobras nunca ganharão uma outra eleição para eles. Programas, políticas e posições – claros e inequívocos – que afetam eleitorados crescentes que eles precisam inspirar proverão a coalizão vencedora para ganhar da ala direita – não pegar frases e “raiva” amorfa. Se os Democratas vencerem, e mais importante, se aquela vitória deve ter algum significado, ou qualquer sombra para eleições futuras, não será porque eles se contorcem tentando escolher “um cara que pode vencer”, mas porque escolham um cara que é
certo.
© Daniel Patrick Welch 2003. Concedido permissão para reprodução.
Traduzido por Roman
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Daniel P. Welch mora e escreve em Salem, Massachusetts, EUA, com sua esposa, Julia Nambalirwa-Lugudde. Juntos, eles operam
The Greenhouse
School. Escritor, cantor, lingüista e ativista, ele apareceu na rádio [entrevista disponível aqui] e também pode estar disponível para futuras entrevistas. Artigos passados e traduções estão disponíveis em danielpwelch.com. Links ao site são bem-vindos
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